Foto: REUTERS/Rodolfo Buhrer (02/05/2017)

Relatório da Polícia Federal concluiu que não é possível confirmar a autenticidade das mensagens hackeadas da força-tarefa da Lava Jato apreendidas no âmbito da Operação Spoofing. O documento assinado pelo delegado Felipe Alcantara de Barros Leal, chefe do Serviço de Inquéritos da PF, foi entregue à Justiça na semana passada e aponta que ‘a autenticidade e a integridade de itens digitais obtidos por invasão de dispositivos alheio não se presume, notadamente quando se reúnem indícios de que o invasor agiu com dolo específico não apenas de obter como também de adulterar os dados’.

Em quatro páginas, Barros Leal descreve as conclusões dos peritos sobre as mensagens. Segundo ele, os especialistas ‘concluíram pela existência de características indicativas de acessos diretos a contas do aplicativo Telegram para fins de obtenção dos itens digitais’, ou seja, se tratam de conversas obtidas por hackers.

“Por outro lado, a perícia da Polícia Federal ressalvou que tais itens não possuem assinatura digital, resumos criptográficos, carimbos de tempo emitidos por autoridade certificadora ou outro mecanismo que permita identificar alteração, inclusão ou supressão de informações em relação aos arquivos originalmente armazenados em servidores do aplicativo Telegram”, anotou o delegado.

Barros Leal também aponta que ‘não se deve confundir o atesto de autenticidade e de integridade de um item digital antes e sua coleta com o atesto de autenticidade e integridade da cadeia de prova relacionada a um item digital entre a sua coleta e o seu armazenamento em mídia anexa a um laudo pericial’. “São momentos distintos, fazendo-se necessário inserir um dique entre eles para evitar discussões inesgotáveis sobre o tema”, anotou. “O atesto da cadeia de obtenção da prova da invasão não significa confirmar a autenticidade e integridade do teor das conversas obtidas”.

Em outro ponto, o delegado ressalta que, por serem conversas obtidas por vias ilegais, ‘não se pode – ou mesmo não se espera – ser superada com flancos de investigação em face das próprias vítimas’. Para Barros Leal, uma postura contrária ‘levaria à eutanásia dos rumos da Polícia Judiciária, atingindo por ricochete, em visão holográfica, todos os princípios que inspiram a atuação policial’.

“Abstendo-nos de neutralidade valorativa, certo é que eventual ação de obtenção de novos elementos e padrões por meio de investigação lastreada por provas com prévio conhecimento de sua ilicitude, configura crime de abuso de autoridade”, frisou.

O relatório reforça argumentos da Procuradoria-Geral da República contra inquérito conduzido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, contra a Lava Jato. Os procuradores recorreram à ministra Rosa Weber afirmando que a investigação é ilegal por ter sido aberta com base em provas obtidas de forma ilícita, no caso, os diálogos hackeados.

Em março, a PGR pediu o trancamento do inquérito alegando que o caso está carregado de ‘vícios’ que tornam ‘flagrantemente ilegal e abusiva a atividade persecutória’. Na avaliação da Procuradoria, por ter sido instaurado de ofício (por iniciativa própria) pelo presidente do STJ, o inquérito viola o sistema acusatório e as prerrogativas dos membros do MPF.

No último dia 30, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, mandou suspender a tramitação do inquérito até a Corte formar um entendimento se a investigação deve ou não continuar. Não há data para esse julgamento ocorrer. Nesta segunda, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu acesso a Martins às mensagens da Lava Jato apresentadas à Corte desde o início de março, mas restringiu o seu uso até a Corte decidir sobre o destino do inquérito.

A reportagem buscou contato com os criminalistas Marcelo Knopfelmacher e Felipe Locke Cavalcanti, que representam os procuradores da Lava Jato. Os advogados não quiseram se manifestar.

Fausto Macedo – Estadão Conteúdo