Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

As manifestações pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro em São Paulo e diversas cidades pelo país, neste sábado (2), foram lideradas por movimentos e partidos de esquerda e contaram com adesões tímidas à direita, apesar dos esforços de organizadores para que os atos tivessem amplitude ideológica.Estiveram ausentes tanto presidenciáveis da chamada terceira via como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que até o momento não compareceu a um protesto da Campanha Nacional Fora Bolsonaro.

O ato na avenida Paulista reuniu 8.000 pessoas, segundo estimativa da Secretaria de Segurança Pública do Governo de São Paulo, pouco acima dos 6.000 participantes medidos no ato de 12 de setembro, promovido pela direita, mas bem abaixo dos 125 mil estimados no protesto bolsonarista do 7 de Setembro —todos ocorridos na avenida Paulista.

Os organizadores estimaram 100 mil pessoas em São Paulo e um total de 700 mil no país e no exterior. Foram contabilizados 314 atos em 304 cidades em 18 países.

Nas diversas capitais do país, a crise econômica foi lembrada e dividiu espaço com o impeachment de Bolsonaro nos cartazes. Em São Paulo, um botijão inflável de gás de cozinha exibiu o preço de R$ 125 em frente ao Masp.

No Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife e Salvador, manifestantes empunharam faixas com menções à inflação, à fome e ao desemprego.

Em São Paulo, onde os organizadores concentram esforços para exibir uma versão nacional da manifestação, apenas Ciro Gomes (PDT) compareceu entre os pré-candidatos ao Planalto. Mais cedo, ele esteve no ato realizado no centro do Rio de Janeiro.

A dificuldade em furar a bolha de esquerda petista e promover um ato amplo ficou evidente pelas vaias a Ciro durante sua fala na avenida Paulista. O pedetista deixou o local com seu carro sob ataques de pedaços de pau.


No palco, ao ser vaiado, Ciro afirmou que “meia dúzia de bandidos travestidos de esquerda acham-se donos da verdade”. “O povo brasileiro é maior do que o fascismo de vermelho ou de verde e amarelo.”

Ciro, que tem sido crítico ao PT, defendeu o impeachment de Bolsonaro e disse que a medida é necessária para evitar um golpe. Seus apoiadores aplaudiam, enquanto os opositores vaiavam e xingavam —chegou a haver uma briga entre os manifestantes.

Em seu discurso no Rio, Ciro pediu união contra Bolsonaro e recebeu tanto aplausos como gritos contrários.

Lula mais uma vez optou por não comparecer. Segundo interlocutores, o ex-presidente pretendia evitar dar um tom eleitoral aos atos, além de demonstrar preocupação com aglomeração em meio à pandemia do coronavírus —o petista tem 75 anos.

Líderes da esquerda alinhados a Lula, como Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT), que pretendem se candidatar ao Governo de São Paulo, foram aplaudidos pelo público.

“A gente não pode recuar. Depois do dia de hoje, é momento de avançar, e não de recuar”, afirmou Boulos.

“Não vamos nos iludir por cartinha escrita por Bolsonaro com Michel Temer [MDB]”, disse, em referência ao texto divulgado pelo presidente após os atos de raiz golpista de 7 de Setembro.

Haddad, ex-prefeito de São Paulo, afirmou que “essa desgraça de governo tem que acabar antes da eleição, porque o povo não aguenta mais”.

“Estamos aqui porque o povo quer comer e o Bolsonaro não deixa. Estamos aqui porque o povo quer estudar e o Bolsonaro não deixa. Estamos aqui porque o povo quer trabalhar e o Bolsonaro não deixa”, afirmou.

O discurso de Haddad foi feito pouco depois de Ciro ter sido vaiado. O petista abriu sua fala dizendo que os manifestantes “não podem perder de vista” o que estão fazendo nas ruas, que é se manifestar contra o presidente.

Ao deixar o local, Haddad disse que a tentativa de agressão a Ciro foi “lamentável”.

Mais cedo, ao discursar no palco, Antonio Carlos, dirigente nacional do PCO, defendeu Lula e chamou Ciro de “canalha”. A fala irritou os militantes pró-Ciro, que xingaram o PCO em coro.

Logo após a fala, organizadores do protesto tomaram o microfone e voltaram a defender a união entre pessoas de diversas ideologias contra Bolsonaro.

Na noite deste sábado, Ciro divulgou um vídeo afirmando que foi às ruas “sabendo, de antemão, que poderia enfrentar a fúria e a deselegância de alguns radicais”.


“Os radicais, seja da esquerda, seja da direita, nunca me intimidaram. E nunca me intimidarão. […] As ruas não têm dono. E a democracia não tem senhores”, afirmou o pedetista, ressaltando que a política ensina ser preciso união contra um inimigo coletivo.

“Esta luta está apenas no começo e ela será mais rapidamente vitoriosa quando todos aprenderem quem é o verdadeiro inimigo e quem é o verdadeiro alvo. Para defender a democracia, voltarei às ruas tantas vezes seja necessário e ao lado dos que queiram sinceramente se livrar de vez de Bolsonaro e de todo atraso que ele representa.”

A rodada de protestos contra Bolsonaro neste sábado foi a sexta organizada majoritariamente pela esquerda desde maio. Como nas edições anteriores, predominou a cor vermelha, mas, desta vez, houve algumas adesões de políticos da direita —antes basicamente limitadas a alas do PSDB, PSL, Cidadania e Solidariedade.

Depois dos atos de Bolsonaro no 7 de Setembro, tanto a oposição à direita como à esquerda buscaram expandir o escopo ideológico das suas ações e conseguiram alguma diversidade —porém longe de promover uma “reedição das Diretas Já” ou de fazer frente à multidão verde e amarela na avenida Paulista no feriado da Independência.

Entidades que organizaram os atos deste sábado ressaltaram sua importância pela união de políticos de 21 partidos, mas alguns representantes, devido a outros compromissos pessoais, enviaram apenas vídeos exibidos no palco em frente ao Masp —o que os poupou de vaias.

Folha de São Paulo