18/06/2021 10h00
Uma pessoa passa em frente a uma casa de câmbio em Buenos Aires.JUAN IGNACIO RONCORONI / EFE

O grupo alimentar Arcor, o maior da Argentina, envolve suas balas Mini com uma frase: “Ideais para o troco”. Já é muito frequente que, em vez de moedas quase sem valor nem circulação, o consumidor receba o troco em notas e balas. Um peso, a divisa do país, vale pela cotação das ruas pouco mais de 3 centavos de real. Quase nada. Com uma inflação que subiu para 3,3% em maio e acumula 21,5% desde janeiro, o peso continua se desvalorizando.

O Ministério da Economia e o Banco Central fazem todos os esforços possíveis para “achatar” o dólar, ou seja, conter sua alta frente ao peso. O plano consiste em evitar novas desvalorizações bruscas da moeda argentina pelo menos até novembro, quando estão previstas as eleições gerais. A partir daí se abre um cenário desconhecido: será preciso finalmente negociar seriamente a dívida com o Fundo Monetário Internacional, aplicar algum tipo de ajuste orçamentário e, muito provavelmente, permitir que o peso deslize para a sua enésima desvalorização, refletindo a inflação acumulada.

Enquanto isso, o governo do presidente Alberto Fernández e da vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner (cada vez mais a segunda, cada vez menos o primeiro) quer evitar desastres que prejudiquem suas perspectivas eleitorais.

A inflação é uma constante na economia argentina há décadas. A alta contínua dos preços corrói a moeda e o poder aquisitivo dos cidadãos, mas também evita que o Estado caia na bancarrota, ao liquefazer as dívidas emitidas em pesos. A falta de crédito internacional, apesar da discutida reestruturação da dívida pactuada com os credores privados, obriga o Banco Central a imprimir pesos de forma incessante para financiar internamente o déficit orçamentário no contexto da pandemia. E o empenho em manter a cotação da moeda norte-americana sob controle contribuiu para elevar a 341 bilhões de dólares (1,72 bilhões de reais) a dívida das administrações públicas. Esses dois fatores fomentam a inflação.

A alta dos preços é uma realidade impossível de ocultar. O Governo, entretanto, se nega a reconhecê-la criando cédulas de valor mais elevado. A unidade de pagamento mais alta continua sendo a nota de mil pesos, que pelo câmbio paralelo equivale a 32 reais. Isso dá uma ideia da quantidade de papel que o consumidor argentino precisa usar para fazer pagamentos em espécie.

A inflação de maio seria alarmante em quase qualquer país do mundo. Para a Argentina, depois de uma série de altas fortíssimas (4,8% em março, 4,1% em abril), esses 3,3% do mês passado foram quase uma boa notícia, matizada pelo fato de a inflação inercial permanecer estável em torno de 3,5%. Desde o começo do ano, os preços subiram 21,5%. Nos últimos doze meses, 48,8%. A previsão estabelecida no orçamento para 2021, de 29%, já não faz sentido.

O Governo agora deposita suas esperanças anti-inflacionárias nos mecanismos de controle de preços, apoiados em acordos com as grandes empresas (especialmente as alimentícias) e nas inspeções em pontos de venda para detectar reajustes “injustificados”. Os controles cambiais (o chamado “cepo”) são um instrumento adicional. A receita monetária clássica, a de aumentar os juros, está completamente descartada, pelo menos até as eleições, porque teria um efeito recessivo em uma economia já em situação crítica.

Por enquanto, um peso vale uma balinha Mini. No ritmo atual, dentro de um ano valerá meia bala.


El País