Fila em agência da Caixa Econômica para retirar o auxílio emergencial | Foto: Gabriel de Paiva/27-7-2020 / Agência O Globo

Programas emergenciais para enfrentamento da pandemia da Covid-19 levaram à redução temporária da desigualdade no Brasil, aponta estudo. O auxílio emergencial, por exemplo, evitou a queda de 23,5 milhões de brasileiros para a pobreza.Outras 5,5 milhões de pessoas tiveram aumento de renda com a ajuda do governo –o impacto total é sobre ao menos 29 milhões de brasileiros.

Sem ações federais, a desigualdade teria crescido de forma acentuada.

As conclusões são de estudos de Rogério Jerônimo Barbosa, da USP (Universidade de São Paulo), e Ian Prates, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Nota técnica do Boletim Mercado de Trabalho, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostra os efeitos do benefício de R$ 600 e da redução de jornada e corte de salário. Os resultados estão em constante atualização.

As medidas foram adotadas pelo governo Jair Bolsonaro em abril. O auxílio é voltado a informais e atende 65,9 milhões de pessoas.

Previsto inicialmente para abril, maio e junho, o benefício foi prorrogado até agosto (cinco meses). Com isso, o custo do programa alcança R$ 254,2 bilhões.

A redução de jornada com corte de salário socorre trabalhadores formais e empresas. Até o momento, foram fechados 16,2 milhões de acordos. O programa foi estendido para durar até quatro meses.

Antes, seriam três meses para redução e dois para suspensão do contrato de trabalho. Ao todo, o programa custa R$ 51,6 bilhões, pois o governo banca uma parte da redução da renda do trabalhador.

“Na ausência de qualquer benefício dessa natureza, a desigualdade teria aumentado de modo constante e rápido”, escrevem Barbosa e Prates, na nota publicada pelo Ipea em julho.

Os pesquisadores cruzaram dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar), do Caged (Cadastro-Geral de Empregados e Desempregados) e dos dois programas.

Os indicadores avaliados são emprego, renda, taxa de pobreza e coeficiente de Gini (indicador de desigualdade). É considerada pobre a pessoa com renda domiciliar per capita inferior a R$ 348,33 (um terço do salário mínimo, de R$ 1.045).

Os pesquisadores revisam os dados regularmente. Com a dinâmica dos efeitos da pandemia no mercado de trabalho, a realidade os surpreendeu, negativamente.

“Quando a Pnad Covid-19 sai, ela traz, além do que previmos, uma série de outros fatores, e um é que o volume de desemprego tinha sido maior do que os nossos cenários simulados”, diz Barbosa.

“O efeito do desemprego é muito maior. E havia outras formas de perda de renda que nós não contemplamos no estudo.” Uma delas são as reduções de jornada, não apenas as acordadas em razão de lei.

Segundo os pesquisadores, os brasileiros foram forçados a deixar de trabalhar ou a trabalhar menos horas. Com isso, claro, perderam renda.

Nesse universo, entram trabalhadores com alta qualificação, em home office e jornada e salário reduzidos, por exemplo, e informais, como domésticas e eletricistas. “Por causa da pandemia, parte dessas pessoas não está sendo recebida em casa”, diz Prates.

Pela atualização, publicada em boletim da Rede de Pesquisa Solidária, a queda da renda do trabalho é gritante.

Em 2019, a renda média domiciliar per capita era de R$ 1.441. Neste ano, caiu para R$ 1.191. Sem o auxílio emergencial, o valor seria R$ 110 menor –ou seja, R$ 1.081.

Esse cenário revelou os efeitos dos programas. Sem o benefício de R$ 600, a taxa de pobreza teria ido a 29,8% da população –isso equivale a 63,1 milhões de brasileiros.

“O auxílio emergencial foi uma política desenhada pelas necessidades de momento. Ele deu um valor às famílias que é muito mais alto do que elas estavam acostumadas a ganhar”, diz Prates.

O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, caiu a 0,492. Sem as medidas, teria chegado a 0,569 –patamar registrado nos anos 1980 e 1990.

Prates, porém, pondera. “Olhar os dados da pandemia como estáticos, ou seja, dizer que a pobreza caiu sem levar em conta que já estávamos em uma situação de crise, e a pandemia em si vai ter consequências de longo prazo, é um olhar um tanto quanto limitado”, diz.

“Existiu um período pré-pandemia e vai existir um pós-pandemia. As políticas que estão sendo usadas durante a pandemia são temporárias.”

Com a pandemia, o governo conseguiu criar os dois programas sem restrições orçamentárias. Porém, só valem no período de calamidade pública, prevista até dezembro.

O Ministério da Cidadania, responsável pelo auxílio emergencial, ressalta que, segundo dados levantados pelo IBGE, o benefício chegou a 80% dos domicílios mais pobres. Por isso, tem movimentando a economia e amparado os carentes.

O programa de redução de jornada com corte de salários tem impacto mais ameno, segundo Barbosa e Prates. Mesmo assim, altera o Gini, em razão da equalização, o que leva à redução da desigualdade.

Para o secretário de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, o programa evitou demissões em massa e, agora, serve de inspiração internacional. “Outros países e organismos já têm observado as ações do Brasil”, diz.

Os programas têm efeitos artificiais e provisórios, afirmam os pesquisadores. “[Com o fim do auxílio] a desigualdade [deve] crescer vertiginosamente para patamares que não víamos desde os anos 1980.”

Pesquisa Datafolha publicada na quinta-feira (13) mostra os efeitos dos programas sobre a imagem de Bolsonaro. Em campanha antecipada pela reeleição, o presidente viu a avaliação positiva do governo subir. Entre os que recebem o auxílio emergencial –40% dos entrevistados–, 42% avaliam o governo como ótimo ou bom.

Técnicos do Ministério da Economia enfrentam dificuldades para conseguir recursos no Orçamento que financiem o Renda Brasil. A ideia é unificar o Bolsa Família –umas das marcas mais fortes de governos petistas– a outros gastos sociais, como abono salarial e salário-maternidade.

O plano é remanejar dinheiro dentro do Orçamento. Assim, preserva-se a regra do teto de gastos que impede o aumento de despesas acima da inflação do ano anterior.

“Evitar esse legado da pandemia [alta da desigualdade] por meio de um sistema de proteção social sólido é um dos principais desafios para os tempos futuros”, escrevem Barbosa e Prates.

FolhaPress